Uma simples pedra que você encontra pelo caminho pode contar uma história que só pode ser decifrada por poucos. E ai de quem chamar de pedra. É uma rocha, que pode ter nomes ainda mais complexos a depender da sua origem, do jeito como foi formada, das intempéries pelas quais passou ao longo de milhares ou milhões de anos. Só um geólogo para saber.
Ele é o detetive da Terra. Uma profissão que estuda a origem, a formação e a composição do planeta, pesquisando sua estrutura através de coleta e interpretação de dados e amostras. Entender mais sobre esse processo é como viajar no tempo, uma janela para acontecimentos do passado que explicam formações atuais. São pesquisas e análises que permitem “enxergar” o que está abaixo de nós, fundamental para nossas atividades exploratórias.
Para celebrar o Dia do Geólogo, comemorado em 30/05, convidamos três profissionais que fazem parte da nossa história para relatar um pouquinho da sua experiência. Venha conhecer mais sobre os desafios dessa profissão, que precisa estar sempre com os olhos voltados para o passado para entender o presente e buscar o nosso futuro.
Onde vamos furar?
Na área de petróleo, o geólogo é o profissional que está na origem das atividades, do início ao fim da vida útil do campo. Ele estuda a região para descobrir onde há possibilidade de ter óleo e para ter uma noção aproximada do volume que pode ser recuperado e, assim, verificar se o projeto será viável economicamente. “Para ter reservas, você tem que ter descobertas. E descoberta significa exploração ativa e forte, que se faz com conhecimento, um ativo quase que intangível”, afirma Adriano Viana, geólogo na área de Potencial Exploratório.
“Sempre haverá espaço para a abstração. Saber trabalhar com as incertezas, mesmo em um mundo digitalizado, faz parte do processo geológico e da profissão”, aponta Jeferson Kinzel, gerente geral de Tecnologia, Aquisição e Inteligência de Dados de Geologia e Geofísica, acrescentando que a interpretação e análise dos dados será sempre fundamental para uma melhor decisão.
Para minimizar cada vez mais os riscos, contamos com estudo e aprendizado dos dados de diferentes tipos de evolução que ocorreram nas bacias petrolíferas. “O que aprendemos em uma levamos para a outra e, assim, vamos fazendo um somatório de conhecimentos, que foi o que nos levou a termos hoje o domínio em todas as bacias brasileiras em busca de petróleo”, explica Kinzel. Além disso, na evolução da geologia como um todo e da ciência, incluindo a evolução da área digital, o aprendizado é um desafio constante. “Sempre tivemos uma “montanha” de dados e informações para utilizar”, aponta ele.
Transformação digital a serviço da geologia
Nossos bancos de dados são um universo de informações extenso e muito rico, adquirido ao longo de décadas de história. Se antes precisávamos envolver vários consultores e técnicos para analisar as características de um campo, agora o uso de tecnologias digitais e algoritmos nos ajudam a agilizar processos que antigamente eram bem mais demorados.
Segundo Adriano Viana, a tecnologia sempre esteve muito ligada à exploração e seu desenvolvimento vem acontecendo junto ao processo exploratório. “Precisamos de uma capacidade de tratamento absurda de dados. Lidar com a informação digital faz parte hoje do trabalho do geólogo”, afirma ele.
Para Jeferson Kinzel, devemos nos servir dessa digitalização para agregar valor aos nossos projetos. As análises mais rápidas vão facilitar o trabalho do geólogo, que ganha mais tempo para se dedicar a interpretar e detalhar os dados. “O dado será melhor utilizado levando a uma melhor tomada de decisão, diminuindo o risco dos projetos e agregando mais valor para a companhia”, explica Kinzel.
Muitas histórias para contar
Se tem um profissional que teve muito destaque na descoberta do pré-sal, uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, foi o geólogo. A participação de diversos deles contribuiu para delimitar essas descobertas e quantificar seus volumes. Desde a década de 90, eles já observavam com interesse a área da Bacia de Santos, onde o pré-sal seria descoberto. Nos anos 2000, os estudos se incrementaram, o primeiro poço foi perfurado no final de 2005 e a produção começou em 2010.
Manuela Caldas, geóloga na área de Ativos Exploratórios, começou na companhia trabalhando no pré-sal. Na época, só havia dois poços perfurados e uma promessa muito grande de futuro. Ela lembra, no entanto, que rapidamente as atividades se aceleraram e foi perfurado “um poço atrás do outro”. “Mas engraçado que eu gosto de estudar a questão da movimentação do sal e quis vir para a Bacia de Santos por causa do sal e não por causa do pré-sal”, conta ela, que tem mestrado na COPPEAD/UFRJ em Tectônica do Sal.
“Fui conhecendo e me apaixonando. Você vê que o mundo se encaixa todinho e não observa mais nenhuma paisagem como via antigamente. Dá vontade de fazer uma volta ao passado só para ver como era o mundo antigamente”. Manuela Fernandes Caldas, na Petrobras desde 2006
Adriano Viana trabalhou de 1986 a 2001 em Macaé, epicentro da atividade de exploração na época. “Foi um período em que a companhia precisava entender um pouco mais o que eram as águas profundas e criaram um grupo de estudos. Como eu tinha três anos de experiência em geologia marinha, fui chamado para apoiar na conquista desse mundo desconhecido”, lembra ele, listando, em seguida, algumas conquistas que foram extremamente relevantes como o primeiro mapa de sísmica 3D do fundo do mar e a descoberta dos corais de águas profundas.
Para construir um cenário geológico a partir das informações, é preciso muito treinamento e conhecimento. “E, para isso, o geólogo tem que ter curiosidade, otimismo, não ter medo de quebrar paradigmas e enfrentar com muita perseverança opiniões contrárias”, afirma Adriano, lembrando que, quando foi apresentada a proposta de perfuração do campo de Tupi, havia apenas 10,5% de chance de sucesso. “Ou seja, tem que ter mesmo muita confiança e otimismo”, brinca.
“Ser geólogo é lidar com a relação do homem com a rocha, com a terra. E ela se dá colocando o nariz na pedra, mordendo pedra, caindo do barranco. É preciso ralar a bota no campo antes de ir para o laboratório ver a rocha. Há situações que temos que avaliar se a formação range nos dentes ou não. Muitas vezes o geólogo precisa, literalmente, comer pedra”. Adriano Roessler Viana, desde 1986 na Petrobras
Já Jeferson Kinzel conta que, quando se formou, não queria trabalhar com petróleo, e sim com rocha dura, em minas a céu aberto, caminhando pela terra. “Mas, no final do curso, consegui um estágio na Petrobras para passar um mês embarcando em diferentes plataformas e conhecer a atividade de perfuração de poços. Quando peguei o helicóptero em Macaé, com 25 anos, para ir para um navio-sonda, vi aquele mar todo e lá na frente uma plataforma. Foi muito emocionante; tudo era novidade. A cada dia que passava, cada metro que estava sendo perfurado, eu ficava maravilhado. Ali mudou minha percepção do que era um trabalho de campo e como podia ser diferente e desafiador. Foi um mês que mudou minha cabeça”, emociona-se Kinzel, que fez mestrado em geologia estrutural, em Ouro Preto-MG, e chegou a trabalhar na Bahia, Amazonas, Pará, e Rio de Janeiro.
“Ter participado dos estudos que levaram à descoberta do pré-sal desde o início foi o principal evento da minha carreira. No início, nem tínhamos dimensão do que seria. Muitos diziam que era impossível. Nunca me esqueço do dia em que tivemos o primeiro indício positivo. Foi um momento mágico, em que olhávamos uns para os outros sem acreditar no que tínhamos descoberto”. Jeferson Martins Kinzel, na Petrobras desde 1988