Quando a equipe da Comunicação entrou na sala, Mário Rangel estava determinado. Em breve ele estaria frente às câmeras de uma equipe de TV para explicar sobre o trabalho que sua equipe desenvolve há mais de 20 anos — e, ao mesmo tempo, resolver parte de um enigma que o país acompanhava ansioso desde a semana passada.
De cabelos grisalhos, jaleco e fala rápida (mas sem atropelos), Mário contava que este trabalho poderia ser chamado de “geoquímica forense”. Isto é, fazer análises químicas comparando amostras de petróleo proveniente das praias com as existentes como referência de petróleos produzidos pela Petrobras. Com a finalidade de responder se elas são de mesma origem, ou não.
Mas como isso é possível?
“Aqui temos um banco de amostras de óleo cru da fase de produção de todos os campos produtores”, explica Mário. Ele colocou os óculos na mesa e prosseguiu, entusiasmado. O que fazemos aqui é analisar a composição molecular de amostras de petróleo”.
"Todo organismo apresenta, em sua constituição, substâncias químicas e moléculas características, que os definem biologicamente e ambientalmente, chamados biomarcadores. Desta forma, os microorganismos que viveram em mares ou em lagos a milhões de anos, após morrerem, passam a fazer parte da matéria orgânica depositada junto com os sedimentos destes corpos aquosos."
Mário prosseguiu:
“Esses sedimentos contendo matéria orgânica depositada há milhões de anos sofrem então transformações por aumento de pressão e temperatura, originando o petróleo. No entanto, a composição molecular da matéria orgânica original, ou seus biomarcadores, mantém sua forma estrutural praticamente inalterada, permitindo, assim, a sua utilização para distinguir os diversos ambientes de geração do petróleo. Em resumo, cada ambiente de geração de petróleo tem particularidades identificadas pelos biomarcadores. É esta especificidade que nos leva a fazer analogia com os exames de DNA, ou com os marcadores de doenças identificados em exames de sangue”.
O óleo cru encontrado nas praias do Nordeste brasileiro no final de setembro levantou a dúvida: seria vazamento da Petrobras? Comparando as amostras coletadas com o banco de “DNA” do Cenpes, foi possível afirmar que não. A equipe da Geoquímica é composta por especialistas, tanto geólogos, quanto químicos. “A experiência desses especialistas, combinada com técnicas de estatística, nos permite aferir a origem do óleo que chega para análise”, continuou Mário.
Em seguida, apontou para um troféu que se encontrava em uma mesa atrás de todos os que participavam da conversa. “Recebemos em 2002 como resultado do trabalho de apoio ao derrame que ocorreu na baía de Guanabara no ano 2000. O prêmio de reconhecimento foi devido à participação em um teste cego. Recebemos dez amostras de diferentes plataformas da bacia de Campos. A missão foi identificar quais eram estas plataformas a partir dos óleos de produção de referência existentes em nossos bancos de amostras. Só erramos uma, pois não tínhamos a amostra de referência de uma delas”.
A equipe de TV chegou, e Mário Rangel e sua equipe abriram as portas do laboratório. Mostraram os equipamentos utilizados para as análises, fizeram demonstrações e encararam as câmeras e as perguntas.
O dever de casa começado há mais de duas décadas ganhava mais um capítulo.