Euclides da Cunha, em sua obra-prima “Os Sertões”, se referiu ao semiárido brasileiro como “terra ignota”. O adjetivo descreve um território “indeterminado, ignorado, incógnito” sobre o qual “não se tem conhecimento”.
“Buckle, em página notável, assinala a anomalia de se não afeiçoar nunca, o homem, às calamidades naturais que o rodeiam (…). Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra. A seca não o apavora. É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a, estoico.” Euclides de Cunha
Euclides da Cunha, em sua obra-prima “Os Sertões”, se referiu ao semiárido brasileiro como “terra ignota”. O adjetivo descreve um território “indeterminado, ignorado, incógnito” sobre o qual “não se tem conhecimento”.
Para muita gente, o veredicto euclidiano continua preciso e mais atual do que nunca. Muitos brasileiros ainda associam a paisagem sertaneja à pobreza — dos homens e da terra. Para essas pessoas, trata-se, de fato, de uma “terra ignota”. A realidade, como de costume, é bem mais complexa. Como a caatinga.
A palavra caatinga, que tem origem na união das palavras tupi ka’a (mata) e tinga (branca), se refere ao bioma característico do sertão e do agreste brasileiros. Nos períodos de seca, quando o índice pluviométrico tende a zero, a maioria das plantas da região perde suas folhas, tornando-se quebradiça e adquirindo uma tonalidade esbranquiçada, que predomina na paisagem formando essa imensa “mata branca”. A caatinga está presente no norte de Minas Gerais e em todos os estados do Nordeste: uma área total de aproximadamente 850.000 km², que corresponde a 10% do nosso território.
A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro. Em nenhum lugar do mundo encontramos o conjunto de características que estão presentes nele. Apresenta variações significativas em razão do nível pluviométrico e do tipo de solo e relevo. A caatinga é, sobretudo, um cenário de extremos, em que longos períodos de seca são intercalados por breves períodos de chuva intensa e forte. Entre um extremo e outro, equilibra-se uma biodiversidade riquíssima e uma população que tem muito a nos ensinar sobre resiliência, sobre a capacidade de nos adaptarmos e convivermos com as mudanças climáticas.
“Com os escassos recursos das próprias observações e das dos seus maiores, em que ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar. Aparelha-se com singular serenidade para a luta”. Euclides da Cunha
Mais do que em “extravagantes crendices” observadas pelo cronista da Guerra de Canudos, o sertanejo de hoje tem recorrido às tecnologias sustentáveis para lidar com um meio ambiente que, nos últimos anos, tem se tornado um pouco mais hostil.
“Historicamente a caatinga vem sofrendo com o desmatamento de sua cobertura vegetal original, que foi reduzida à metade”, explica Daniel Costa, coordenador geral da Associação Caatinga, responsável pelo projeto No Clima da Caatinga, patrocinado por meio do Programa Petrobras Socioambiental. “Esse desmatamento acarreta uma série de problemas, acelerando, por exemplo, o processo de desertificação em algumas áreas do Nordeste, empobrecendo o solo e o tornando improdutivo, gerando impactos econômicos, sociais e ambientais.”
Como se não bastassem, os efeitos do aumento da temperatura global têm sido cada vez mais evidentes no semiárido, de acordo com o coordenador do projeto. “Períodos de estiagem mais longos são cada vez mais frequentes, assim como a elevação da temperatura média, que vem subindo nos últimos anos.”
Preparar as populações para lidar com os revezes de um clima ainda mais hostil é um dos objetivos do No Clima da Caatinga, que faz do desenvolvimento e da disseminação de tecnologias sociais com as comunidades do semiárido uma de suas principais linhas de atuação. Essas atividades acontecem em paralelo às de conservação e recuperação de áreas degradadas que, segundo estimativas, evitaram com que 152 mil toneladas de CO2 fossem lançadas na atmosfera e capturaram mais de 12 mil toneladas de carbono. Desde o início do projeto, foram preservados 6.374 hectares de mata, graças a três Áreas de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) nas quais o projeto atua: a Reserva Natural Serra das Almas, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Olho D’Água e Chico Bimbina.
O No Clima da Caatinga trabalha em várias frentes para combater os efeitos da mudança do clima. “Atuamos na conservação, por meio da Reserva Natural Serra das Almas, no estímulo à criação de novas unidades de conservação e na restauração florestal, com ênfase na proteção de nascentes e matas ciliares”, explica Daniel Costa.
O projeto tem na educação ambiental uma ferramenta importante para conscientizar a população do semiárido sobre a importância de preservar a caatinga. O No Clima da Caatinga já envolveu mais de 46 mil pessoas em suas ações de educação ambiental; capacitou cerca de 3.600 pessoas nas tecnologias sociais que trabalha para disseminar, e preparou 980 educadores para trabalhar com temas de meio ambiente. E o trabalho não para por aí.
O fomento à pesquisa científica na região é outra faceta importante do projeto, junto com a comunicação, ferramenta fundamental para que o semiárido deixe de ser uma “terra ignota” para a maioria dos brasileiros. “São 27 milhões de pessoas que vivem no semiárido hoje e precisam de recursos naturais, como a água, diariamente”, esclarece o coordenador.
Crédito das imagens: acervo do No Clima da Caatinga/Associação Caatinga