Em meio aos manguezais dos municípios de Maragogipe e São Francisco do Conde, no nordeste da Bahia, conheça uma banda de rock que se transformou em uma plataforma de conscientização ambiental; uma professora mineira que se tornou defensora do mangue; e uma marisqueira que viu sua vida se transformar quando entendeu a importância da conservação ambiental para a comunidade: três histórias diferentes que se encontraram no projeto CO2 Manguezal.
Desde a infância, os filhos de quilombolas, pescadores e marisqueiras que vivem dos manguezais de São Francisco do Conde e Maragogipe são alertados por seus pais sobre uma antiga lenda da região do Recôncavo Baiano: uma senhora que mora nos manguezais e protege a região daqueles que poluem, degradam e desrespeitam o meio ambiente. Como punição, a senhora conduz essas pessoas por entre os labirintos dos manguezais até que elas se percam. É a Vovó do Mangue.
Em meados dos anos 90, a história inspirou Francisco e mais três amigos a montarem uma banda com o mesmo nome da lenda. No início, os amigos tocavam músicas de rock psicodélico progressivo, mas, com o passar do tempo, a consciência ambiental e o empreendedorismo inspiraram o grupo a ampliar sua atuação.
Sentimos a necessidade de transformar esse trabalho em algo mais. Queríamos oferecer mais, contribuir mais para a sociedade, -relembrou Francisco.
De uma banda de rock, o grupo diversificou as atividades e começou a produzir e publicar fanzines, depois eventos, festivais de rock e mostras de fotografias e vídeos. A Vovó do Mangue cresceu e se transformou na fundação que trabalha com preservação, educação ambiental, defesa de direitos sociais, desenvolvimento humano e outros projetos, como o CO2 Manguezal.
Assim como outros filhos de pescadores e marisqueiras do Recôncavo Baiano, Rita aprendeu desde cedo com os pais sobre as formas de retirar o seu sustento dos manguezais. Nascida e criada em Maragogipe, a 131 km de Salvador, Rita viu a sua vida se transformar após o início do projeto CO2 Manguezal.
Com sorriso largo no rosto, ela conta que plantou pessoalmente parte das 50 mil mudas de mangue e de mata atlântica. Acordar às 4h da manhã para ir a campo é motivo de alegria para essa baiana que testemunha com orgulho a evolução do crescimento das mudas.
Comecei no projeto tomando curso de capacitação para pescadora e marisqueira e no mesmo ano passei a trabalhar com produção de muda e fazer plantio no mangue. Eu sou filha de pescador e marisqueira. A gente aprende desde cedo sobre a atividade, mas não aprende com aquela consciência necessária, algo que tive contato graças ao projeto.
Nascida na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, Alessandra mudou de cidades em busca do sonho de trabalhar com conservação ambiental e exercer a docência. Concluiu a graduação em Biologia na Universidade Federal de Juiz de Fora, o mestrado em Botânica na Universidade Federal de Viçosa e doutorado em Biologia Vegetal pela Unicamp, em Campinas. Hoje é professora associada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, conduzindo pesquisas do Laboratório de Ecologia Vegetal e Restauração Ecológica (Levre), onde descobriu os manguezais como campo importante para a pesquisa e para quem trabalha com conservação.
Gosto de estar junto com agricultores, marisqueiras e pescadores. Acredito que quem conserva é quem usa, quem vive da terra. E essas pessoas precisam que a gente saia de trás dos muros da academia para trocar experiências com eles. O nosso papel é apresentar resultados, dialogar com eles e buscar soluções para a conservação do manguezal, das florestas. É muito desafiador. Assusta, mas é isso que me motiva a ficar até hoje aqui na Bahia, e não sair.
Procurando entender o cenário local e direcionar as ações futuras de preservação, Alessandra conduziu, em parceria com o projeto CO2 Manguezal, uma investigação sobre captura e estocagem de carbono em áreas de manguezais no Recôncavo Baiano. O resultado desse trabalho se transformou no livro CO2 Manguezal - Estudos Científicos, que foi lançado em dezembro e reúne estudos realizados por seis pesquisadores.
O manguezal é um ecossistema úmido que tem chamado a atenção de órgãos internacionais pela sua importância na captura e estocagem de carbono (blue carbon) em relação a outros ecossistemas, como a Mata Atlântica e a Caatinga. Nos estudos reunidos no livro CO2 Manguezal – Estudos Científicos, os pesquisadores perceberam que as áreas degradadas por urbanização, esgotamento sanitário, extração de árvores e pressão de pesca, entre outros fatores, estocam 16% menos carbono do que os territórios preservados.
A degradação empobrece o mangue, tanto na abundância e quanto no porte das espécies. Isso tem reflexo na biomassa e, consequentemente, na quantidade de carbono que esta árvore pode estocar. Então, o lixo, aterros, retirada de madeira dificultam que o manguezal preste este importante serviço de sequestrar e estocar o carbono. Caso contrário, este carbono fica livre na natureza, poluindo, aquecendo a Terra, modificando a maré e tudo mais que estamos experienciando atualmente no planeta”, explica a professora Alessandra.
Patrocinado por meio do Programa Petrobras Socioambiental, o projeto CO2 Manguezal já recuperou mais de 8 hectares de áreas degradadas de manguezal em Maragogipe e São Francisco do Conde, municípios que ficam na área de influência da Refinaria Landulpho Alves de Mataripe (RLAM). A recuperação de áreas de manguezal representa a garantia de renda para mais de 5 mil famílias que dependem da preservação da Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape.
A verão em pdf do livro CO2 Manguezal – Estudos Científicos está disponível para download gratuito no site do Projeto CO2 Manguezal.