O coral é uma criatura muito peculiar no reino animal: um bicho que parece planta — e, às vezes, parece pedra. As zooxantelas, por sua vez, são um tipo de alga unicelular, que vivem no interior das células do tecido dos corais: são tão íntimas dele que podemos chamá-las, entre nós, de xantela.
Sem essa alga, o coral é “avião sem asa, fogueira sem brasa”: ele desbota, definha, falta-lhe o ar para respirar. É que ao realizar a fotossíntese, a xantela complementa a dieta coralínea com açúcares, aminoácidos e outros nutrientes, além de prover boa parte do oxigênio que o coral precisa. Este, por outro lado, fornece à alga o dióxido de carbono do qual ela precisa, entre outros nutrientes. A “química” desses dois também é responsável pela produção do calcário que forma o exoesqueleto que recobre o coral e serve de proteção — tanto para ele quanto para a xantela.
Mas a xantela não ajuda apenas a manter de pé as “paredes” que servem de abrigo para os dois: ela também “pinta” as paredes. A variedade de cores que a gente observa na maioria dos corais só existe por causa dessa relação dele com a alga. Quando a xantela se vai, o colorido vai junto, e o coral ganha uma aparência esbranquiçada, triste.
Como explica o biólogo marinho Emiliano Calderon, membro do Comitê de Pesquisas do Projeto Coral Vivo, é essa “relação de interdependência mútua, complexa e extremamente delicada” que torna possível “a vida da célula animal do coral com a célula vegetal da zooxantela em seu interior”. “Dela dependem os recifes de coral de água rasa, o ecossistema mais diverso do ambiente marinho”, explica.
De uns tempos para cá, o fenômeno do branqueamento dos corais tem se tornado mais e mais comum. A relação entre xantela e coral é muito sensível, e sofre com mudanças de temperatura e alterações no pH da água, o índice que determina seu grau de acidez.
A elevação da temperatura do planeta e a alta concentração de CO2 na atmosfera, nos últimos anos, têm provocado mudanças na temperatura e no pH da água dos oceanos — e crise na relação entre xantelas e corais.
Os oceanos são responsáveis pela absorção de 30% do gás carbônico presente na atmosfera. Em contato com a água, o CO2 produz reações químicas que resultam em acidificação. Desde o início da revolução industrial, o pH médio das águas superficiais dos oceanos, aquelas nas quais ocorrem os corais, caiu de 8,2 para 8,1, o que representa um aumento de 26% na acidez. Estudos apontam que o branqueamento dos corais está relacionado a mudanças ambientais, como incidência de luz, poluição ou aumento da temperatura. Essas mudanças afetam diretamente a vida das zooxantelas. E, sem a xantela, o coral perde a principal forma de nutrição.
Recifes de coral são estruturas rígidas, formadas pelo esqueleto calcário que protege os corais. Eles desempenham um papel fundamental na preservação da biodiversidade marinha. Estima-se que ¼ de todas as espécies que vivem no mar são dependentes desse ecossistema. Mas não é só o fundo do mar que tem a perder com a crise que afeta corais e xantelas: quem vive na superfície também perde, seja pela queda na produção de alimentos, seja pela redução do turismo: hoje, aproximadamente um bilhão de pessoas depende da pesca em torno dos recifes para sobreviver e, anualmente, o turismo movimenta um mercado estimado em US$ 30 milhões em torno dessas formações.
Elas ocorrem nas regiões tropicais de todo mundo, mas predominam em áreas de água rasa. 30% da costa do planeta é formada por recifes coralíneos, cerca de 600 mil m2. O maior deles, a Grande Barreira de Corais da Austrália, tem 2 mil quilômetros de extensão. Em todas essas formações coralíneas, a simbiose com as zooxantelas é essencial. A presença dessas algas é determinante para o ritmo de expansão do “esqueleto” coralíneo que dá forma aos recifes.
A situação da maioria dos recifes do planeta é hoje delicada. Por se tratarem de sistemas altamente especializados e sensíveis às mudanças ambientais, estima-se que 19% deles já se tenham perdido. 35% encontram-se ameaçados.
Ajudar a conter esse declínio é a razão de ser do Projeto Coral Vivo, patrocinado por meio do Programa Petrobras Socioambiental. Criado em 2003, o Coral Vivo atua na conservação desse ecossistema através da pesquisa, da educação, da formulação e do acompanhamento de políticas públicas, além da comunicação e sensibilização da sociedade para a importância dos corais.
A sede do Projeto Coral Vivo está instalada no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ), e a base de pesquisa fica em Arraial d’Ajuda, em Porto Seguro (BA). Em 2013, foi criado o Instituto Coral Vivo para abrigar o projeto e outras iniciativas voltadas para a conservação de ambientes coralíneos. O projeto integra a Rede Biomar, junto com projetos de biodiversidade marinha patrocinados pela Petrobras: Albatroz, Baleia Jubarte, Golfinho Rotador e Tamar.
As fotos que utilizamos ao longo do texto foram gentilmente fornecidas pela equipe do Coral Vivo. Para quem ficou curioso, com vontade de entender melhor o “romance” do coral e da xantela, no site do projeto é possível encontrar uma cartilha simples e detalhada, perfeita para leigos. Para quem acha que já está entendendo tudo, tem uma coletânea de artigos sobre o tema que vale a pena conferir. Se a curiosidade é sobre os recifes brasileiros, tem um livro inteirinho sobre isso.
A maior parte da diversidade de espécies de coral do planeta se encontra nos oceanos Índico e Pacífico. São 605 espécies catalogadas de recifes verdadeiros, que é como são classificados os corais-pétreos zooxantelados. No Atlântico, a diversidade é mais baixa, devido principalmente à turbidez da água. O Brasil possui os únicos recifes de corais-pétreos zooxantelados do Atlântico Sul: 16 espécies.
A despeito da biodiversidade reduzida, as formações brasileiras apresentam características peculiares: estão entre as poucas espécies que vingam em águas agitadas (túrbidas). As principais delas se encontram na região que vai do Parcel de Manuel Luís, no Maranhão, até Abrolhos, na Bahia. Podem ser observados também em ilhas oceânicas, como o Atol das Rocas, no Rio Grande do Norte, Fernando de Noronha, em Pernambuco, e Ilha de Trindade, no Espírito Santo.